Um artigo da ex-senadora Vanessa Grazziotin afirma que a reportagem do The Intercept sobre a Lava Jato permanece como testemunho do vale tudo em que mergulhou a democracia brasileira. Ela diz que o conteúdo das mensagens é gravíssimo. A seletividade, o desrespeito às leis, deveria no mínimo gerar, nos agentes da lei, um sentimento de que algo há de ser feito.
A expressão que dá título a esse artigo foi dita em meados do mês de março de 2016 pelo senador Romero Jucá, num diálogo telefônico com Sérgio Machado, então presidente da TRANSPETRO, e foi divulgado pelo jornal Folha de São Paulo, em maio de 2016.
Estava em plena ebulição o movimento e as articulações pelo impeachment da presidente Dilma. No diálogo, o senador sugeria uma “mudança” no governo federal para viabilizar um “pacto político” e “estancar a sangria” representada pela Lava Jato.
O impedimento da presidente Dilma Rousseff era apenas o obstáculo imediato e mais visível para que voltassem a aplicar, em larga escala, a velhíssima política de estado mínimo e supressão de direitos sociais dos trabalhadores, bem como de submissão de nossa soberania aos Estados Unidos da América.
Era parte da contraofensiva visando dois objetivos básicos: conter o avanço das forças progressistas no continente e sua política de promoção de direitos sociais; bem como impedir arranjos geopolíticos como, por exemplo, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que eventualmente servissem de contraposição às pretensões hegemônicas do império americano.
Aliás, quanto a isso, recorre-se ao próprio ex-embaixador americano no Brasil, Mr.Thomas Shannon que, numa entrevista à revista Época de 08.07.2019, afirmou que os EUA tinham a convicção de que o governo brasileiro atrapalhava seus planos para a América do Sul, pois tinha um projeto de “construção de uma grande e coesa América do Sul”, o que seria um obstáculo à reanimação da Área de Livre Comércio das Américas. Na longa entrevista Shannon afirmou, ainda, que havia livre trânsito de informações e provas entre os procuradores americanas e os procuradores da lava-jato, confirmando outra ilegalidade praticada no âmbito da operação.
Nunca é demais relembrar que o golpe de 2016 começou a ser gestado pelo inconformismo de Aécio Neves e dessa concertação de direita com a sua derrota nas eleições de 2014. Após quatro tentativas eleitorais frustradas e impedidos, pela vontade popular, de conter os avanços sociais e retomar à política de desmonte do estado nacional, as forças conservadoras e de direita sequer se preocuparam com as aparências: apelaram diretamente ao golpe.
Duas ações básicas representavam o centro da tática dessas forças de direita: a primeira medida era a criminalização da esquerda; a segunda, com a mesma virulência e intensidade, visava aprofundar a crise econômica, criando um ambiente de verdadeiro caos. Assim, a partir de uma ampla ofensiva da mídia e da lava-jato contra a esquerda, especialmente contra Lula, as forças conservadoras formaram uma poderosa coalisão, uma maioria política, com a participação inclusive de “aliados“ governistas. Inviabilizaram o governo recém eleito para assumir o controle do país e voltarem a aplicar a política neoliberal. E a cada dia, desde Temer até o presente, têm se empenhado para atacar a nossa soberania, o nosso desenvolvimento, os avanços sociais, a luta pela superação das assimetrias regionais, a liberdade de expressão e até mesmo científica, que ultimamente tem sido grosseiramente atacada.
Portanto, “Com o Supremo, com tudo”, talvez tenha sido a afirmação que melhor explicitou o golpe de 2016. Um golpe viabilizado com a leniência de parte do Judiciário, na medida em que é pouco provável que esses membros da suprema corte não soubessem que o impedimento de Dilma advinha de uma decisão política e não de um crime cometido. Eles sabiam. Como igualmente sabiam que, respeitado o mínimo processo legal, é impossível afastar um governante movido tão somente por decisões políticas. Sabiam que tal aberração não tem amparo no arcabouço jurídico brasileiro. O arranjo das pedaladas foi apenas a farsa, a qual a direita recorreu, para emprestar um certo caráter de “legalidade“ a uma flagrante ilegalidade.
Até a próxima.
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