Se for aprovado pelos deputados e sancionado pelo Executivo, escolas públicas e privadas terão prazo de um ano para se adequar
Um projeto de lei que tramita na Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina) quer tornar obrigatório, como atividade extracurricular, o conteúdo “História das Mulheres do Campo e da Cidade em Santa Catarina” no currículo das escolas públicas e privadas do Estado.
De autoria da deputada Luciane Carminatti (PT), o projeto 86.1/2019 está em tramitação na Casa desde abril do ano passado, tendo sido analisado pelas comissões de Constituição e Justiça e de Trabalho, Administração e Serviço Público. Atualmente, tramita na última comissão, a de Educação, Cultura e Desporto, cuja relatoria ficará a cargo da deputada Paulinha (Ana Paula da Silva/PDT) antes de seguir para votação no plenário.Se aprovado, o PL segue para sanção do poder executivo. A partir daí, as escolas terão prazo de um ano a contar da publicação da lei, para se adequar às determinações legais.Conforme a deputada Luciane Carminatti, a ideia resulta, em parte, da luta de organizações feministas e conselhos da mulher que reivindicam que a história seja recontada incluindo a participação das mulheres.
Outra frente que levou à elaboração do projeto é a observação da falta de conhecimento dos jovens catarinenses sobre personagens femininas importantes no Estado, como foi Antonieta de Barros – a primeira deputada de Santa Catarina e primeira negra a assumir um mandato popular no Brasil.“Me deparei com essa situação ao percorrer escolas do Estado e questionar os jovens sobre quais mulheres eles conheciam na história de Santa Catarina. Em Florianópolis, até ouviram falar de Antonieta, mas em outras regiões a resposta era o silêncio”, afirma Carminatti.Entre as possíveis personagens que merecem ter seus nomes incluídos na história do Estado, a parlamentar cita ainda Zilda Arns e Maria Rosa – a adolescente que liderou a luta dos caboclos na Guerra do Contestado. “Há várias mulheres que não são conhecidas dos catarinenses e não têm visibilidade na história do Estado. Então nosso objetivo é trazer conteúdos adequados sobre essa produção literária historiográfica que já vem sendo estudada por escritores(as) catarinenses”, diz a deputada.Outra preocupação, além de dar maior visibilidade à ação das mulheres, é que o olhar se amplie para além das brancas de classe média. “Queremos incluir diversos segmentos e etnias, com destaque para negras, quilombolas e indígenas”, afirma a parlamentar.
Importância do tema
Para a doutora Silvia Arend, professora do Departamento de História da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), a introdução da temática é de extrema importância para que estudantes compreendam o destacado (mas invisibilizado) papel desempenhado pelas mulheres na construção da sociedade.“Atualmente, as relações sociais no Brasil (e em Santa Catarina) são pautadas na desigualdade entre homens e mulheres na área do trabalho, na esfera familiar, no campo da política institucional, etc. Essas relações sociais geram salários mais reduzidos e dupla jornada de trabalho para as mulheres, uma baixa representatividade feminina no parlamento, e violências que muitas vezes resultam em feminicídio“, aponta a pesquisadora.“Por isso, ao introduzir o conteúdo no currículo da educação básica é possível que surjam questionamentos e debates em relação a essas práticas discriminatórias. E isso poderia levar ao estabelecimento de novas relações sociais entre homens e mulheres, beneficiando a sociedade em geral”, diz.Arend afirma que o currículo deveria abordar personagens de diferentes estratos sociais, desconstruindo o senso comum de que as mulheres ingressaram no mercado de trabalho no Brasil somente a partir da década de 1950.“As mulheres pobres, escravas ou livres, trabalhavam de sol a sol desde o período colonial, mas suas histórias foram silenciadas ao longo do tempo. Em Santa Catarina, por exemplo, elas foram fundamentais para o desenvolvimento das atividades agrícolas, industriais (especialmente no setor têxtil) e de serviços (trabalho doméstico, comércio, magistério, etc)”, afirma Arend.
Na visão de outra historiadora da Udesc, a doutora Marlene de Fáveri, que estuda relações de gênero e família, a proposta de incluir as mulheres já é tardia”. Para Fáveri, construiu-se uma história calcada nas ações dos homens, mas as mulheres também se destacaram não só por feitos políticos como também pela resistência.“Precisamos contar a história a partir de um lugar de cuidado e incluir as mulheres catarinenses no currículo para que tenham visibilidade”. Entre as personagens importantes por seus feitos, a professora cita Anita Garibaldi, Antonieta de Barros, Chica Pelega, Zilda Arns, Santa Paulina, e até contemporâneas como Luci Choinacki (agricultora e política).
Expectativa de votação
De acordo com a autora do PL, a expectativa é que a pauta possa ser votada e aprovada até o final deste ano. “Se conseguirmos concluir a votação antes do recesso escolar de dezembro, já poderíamos instituir um grupo de trabalho – que deve agregar gestores da educação pública e privada – para começar buscar referências de conteúdo no ano que vem. Mas tenho consciência de que o processo de impeachment [contra o governador Carlos Moisés] e a pandemia devem dificultar o diálogo necessário”, avalia Carminatti.Caso a lei seja sancionada, será necessário ainda que o Estado faça a regulamentação para sua implantação e execução. Nessa etapa, o Estado poderá firmar parcerias e convênios com instituições de ensino ou organizações não governamentais que representem o tema, além de contar com a ajuda do grupo de trabalho para formatação do conteúdo.
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