Presidente e ministro tiveram divergências públicas sobre isolamento social. Na quarta, Mandetta disse em coletiva que chegou a aconselhar pessoas cotadas para a vaga
Em meio à pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair
Bolsonaro demitiu nesta quinta-feira (16) o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta. A informação foi divulgada pelo próprio ministro em uma rede social.
“Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da
minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me
foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da
saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus,
o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar”,
escreveu Mandetta.
“Agradeço a toda a equipe que esteve comigo no MS e desejo êxito ao meu sucessor no cargo de ministro da Saúde. Rogo a Deus e a Nossa Senhora Aparecida que abençoem muito o nosso país”, prosseguiu.
Ex-deputado federal, Mandetta estava à frente da pasta desde
o início do governo, em janeiro de 2019, e ganhou maior visibilidade com a
crise provocada pelo novo coronavírus. Na tarde desta quinta, Mandetta foi
chamado ao Planalto para uma última reunião com Jair Bolsonaro.
Nas últimas semanas, contudo, Bolsonaro e Mandetta tiveram
divergências públicas em razão das estratégias para conter a velocidade do
contágio da Covid-19, doença provocada pelo vírus.
Em entrevista ao Fantástico, no domingo (12), Mandetta disse
que a população não sabe “se escuta o presidente ou o ministro” da
Saúde em relação a medidas.
Em coletiva nesta quarta (15), no Palácio do Planalto, o
então ministro da Saúde disse que era claro o “descompasso” entre a
pasta e as orientações do presidente Jair Bolsonaro. Segundo Mandetta, pessoas
cotadas para a sucessão no cargo chegaram a ligar para ele em busca de
aconselhamento.
Na entrevista, o ministro também disse que a equipe montada
por ele e empossada em 2019 trabalharia em conjunto, e ajudaria na transição
para evitar uma ruptura na política contra a Covid-19.
O último dia
Na manhã desta quinta, Mandetta participou de um seminário
virtual sobre o enfrentamento ao coronavírus. Durante o papo, afirmou que a
perspectiva era de que a mudança no comando do ministério acontecesse
“hoje, no mais tardar amanhã”.
No mesmo horário, o presidente Jair Bolsonaro recebeu no
Palácio do Planalto o oncologista Nelson Teich. O médico, que atua em São
Paulo, desembarcou em Brasília como o principal cotado para assumir o
Ministério da Saúde.
Quem é Nelson Teich, o mais cotado para substituir Mandetta
no Ministério da Saúde
Em artigo recente sobre a pandemia, Teich se mostrou a favor
do isolamento horizontal, como Mandetta. Ele também afirmou, também em texto
nas redes sociais que o enfrentamento da crise não pode levar em conta apenas
fatores econômicos ou apenas fatores sanitários.
Até a publicação desta reportagem, nem a reunião com
Bolsonaro nem a nomeação de Teich para o cargo tinham sido oficializadas pelo
Palácio do Planalto.
Discordâncias
O presidente defende o que chama de “isolamento
vertical”, ou seja, isolar somente idosos e pessoas com doenças graves,
que estão no grupo de risco. Bolsonaro repete que o isolamento amplo, com
suspensão de atividades, traz prejuízos à economia que ele considera até mais
graves do que as mortes provocadas pelo coronavírus.
Mandetta reforçou nas últimas semanas a necessidade de
isolamento para toda a população e reafirmou que as recomendações e
determinações do Ministério da Saúde seguem parâmetros científicos e da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em três ocasiões diferentes, Bolsonaro saiu por ruas de
Brasília e cumprimentou apoiadores, mantendo contato físico e descumprindo as
orientações dadas por Mandetta e pelas autoridades internacionais de saúde.
A discussão sobre as medidas de restrição, com suspensão de
atividades comerciais e aulas, por exemplo, gerou embate do presidente não só
com Mandetta, mas também com governadores – em especial com o de São Paulo,
João Doria (PSDB), e o do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Bolsonaro e Mandetta também discordaram sobre um remédio
usado para tratamento de malária como alternativa para o coronavírus, a
cloroquina (escute o podcast O assunto sobre o tema ao final da reportagem).
Bolsonaro é entusiasta do remédio para tratar a Covid-19. Mandetta alerta para
a falta de estudos científicos sobre o tema.
Para Bolsonaro, faltava ‘humildade’ a Mandetta
A relação entre presidente e ministro se deteriorou nas
últimas semanas, com posições públicas dissonantes de ambos. Na semana passada,
Bolsonaro afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan que ele e Mandetta estavam se
“bicando há algum tempo”. O presidente declarou que faltava
“humildade” ao ministro.
“O Mandetta já sabe que a gente está se bicando há
algum tempo, já sabe disso. Eu não pretendo demiti-lo no meio da guerra, não
pretendo. Agora, ele é uma pessoa que […] em algum momento, ele extrapolou.
Ele sabe que tem uma hierarquia entre nós, eu sempre respeitei todos os
ministros”, afirmou o presidente na ocasião.
Em resposta às críticas do presidente, Mandetta vinha
repetindo que se dedicava ao trabalho.
Pesquisas sobre desempenho de presidente e ministério
A demissão foi anunciada na semana seguinte à divulgação de
uma pesquisa do instituto Datafolha que mediu avaliação do desempenho de
Bolsonaro, dos governadores e do Ministério da Saúde na condução da crise do
coronavírus.
O presidente teve 33% de avaliação ótima ou boa e reprovação
de 39%. No levantamento anterior, divulgado no dia 23 de março, a aprovação de
Bolsonaro era de 35%, e a reprovação era de 33%
O Ministério da Saúde teve aprovação de 76% e reprovação de
5% na pesquisa da semana passada. No levantamento anterior, a aprovação do
Ministério da Saúde era de 55%, e a reprovação era de 12%.
Mandetta no governo
Bolsonaro anunciou Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) como
ministro da Saúde em novembro de 2018, após vencer a eleição presidencial e
iniciar a transição de governo. Então deputado federal, Mandetta havia apoiado
Bolsonaro na eleição.
O anúncio de Bolsonaro da escolha do então futuro ministro
foi feito por uma rede social, após encontro do presidente eleito com
representantes das santas casas e de deputados da Frente Parlamentar da Saúde.
Ex-deputado e médico de formação
Médico de formação, Mandetta era deputado em final de
mandato. Ele não tentou a reeleição em 2018. Foi o terceiro ministro filiado ao
DEM anunciado por Bolsonaro – Tereza Cristina (Agricultura) e Onyx Lorenzoni
(Casa Civil à época) eram os outros.
Natural de Campo Grande, o agora ex-ministro seguiu a
profissão do pai, o médico Hélio Mandetta. Cursou medicina na Universidade Gama
Filho, no Rio de Janeiro, fez residência em ortopedia na Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul e uma especialização em ortopedia em Atlanta (EUA).
Em seu estado, Mandetta foi dirigente de plano de saúde e
secretário municipal. Ele presidiu a Unimed de Campo Grande entre 2001 e 2004
e, ao encerrar sua gestão, assumiu a secretaria de Saúde de Campo Grande.
Coronavírus
Durante um ano e quatro meses como ministro da Saúde,
Mandetta tentou cultivar uma imagem de gestor técnico e distante das pregações
ideológicas que marcam a conduta de parte dos ministros de Bolsonaro.
Mandetta recebia críticas de auxiliares do presidente. No
entanto, com a pandemia do novo coronavírus, passou a conceder entrevistas
coletivas quase diariamente, nas quais recomendava o distanciamento social como
forma de tentar reduzir a velocidade do contágio, e foi ganhando projeção.
O Brasil teve o primeiro caso de Covid-19 confirmado em 26
de fevereiro. O ex-ministro e sua equipe alertavam que haveria uma elevação do
número de casos. O Ministério da Saúde orientou medidas de proteção e trabalhou
na tentativa de ampliar equipamentos e aparelhos nas unidades hospitalares.
Crítico do programa Mais Médicos, criado no governo Dilma
Rousseff, Mandetta também liderou a criação do Médicos Pelo Brasil. O novo
programa foi concebido para substituir de forma gradativa o Mais Médicos e
ainda não está em pleno funcionamento.
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