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O que comemorar neste aniversário da cidade?

Última atualização: 2020/04/01 3:33:09

Sempre que uma cidade faz aniversário é comum lembrar e relembrar a história das origens, dos acontecimentos importantes que marcaram a região e entrevistar as pessoas antigas para nos contar ou esclarecer certos episódios. É chegado o momento de refletir e colocar tudo na balança, na expectativa de ter saldo positivo para realmente ter o que comemorar. Penso que seja o caso da nossa cidade de São Miguel do Oeste.


Entre os anos 20 e 50 do século passado a  Companhia Territorial Sul Brasil, além de explorar as riquezas naturais da região como madeira e erva-mate, era a principal responsável pela venda de terras no oeste catarinense para os colonos rio-grandenses. Os lotes nem sempre eram próximos de rios e estradas, o que dificultava a vida dos imigrantes, somado com a falta de recursos do governo é possível imaginar que a vida não era nada fácil…


De lá para cá muitas coisas mudaram e a cidade vem colecionando uma série de avanços em todos os setores, apenas para citar alguns: o ex-secretário de esportes, Juliano Siebel, promoveu o esporte por todo município, gerando excelentes atletas; o professor Oswaldo Corrêa faz um belíssimo trabalho no basquete e no xadrez com os jovens; temos o Colégio Jesus Maria José que está muito acima da média nacional do Enem; temos o IFSC, que é uma universidade pública de qualidade; e nossas praças estão cada dia mais bonitas e com eventos musicais aos finais de semana. A qualidade de vida está aumentando!


Quando se trata de contar a história local, a mídia, de forma geral, ao se referir a parcela homenageada da sociedade costuma usar conceitos como “pioneiros”, “progresso” e “civilização” para mostrar que a partir da chegada de determinadas etnias a região obteve um significativo  desenvolvimento social, político e econômico. É possível imaginar que todo esse espaço geográfico, no qual vivemos, há 66 anos, era quase vazio, sombrio, sujo, violento, esquecido por Deus no tempo e no espaço.


Para uma comemoração mais completa proponho uma brevíssima reflexão sobre os conceitos de “pioneiro”, “progresso” e “civilização” que permeiam sobre a história oficial da região e de nossa cidade. 


A colonização do oeste catarinense por descendentes de imigrantes europeus esteve ligada ao projeto de governo do estado na primeira metade do século XX, por alguns motivos: alinhamento com a política de branqueamento da raça brasileira nas primeiras décadas da República, observado pelo Decreto 528, de 28 de junho de 1890, de Manoel Deodoro da Fonseca e Francisco Glicério; para a manutenção das fronteiras, que apenas ficou definida após a Guerra do Contestado; e para o desenvolvimento econômico agrário da região Sul.


Essa demanda política de imigração, entre o século XIX e meados do século XX, foi determinante para o processo de exclusão e inclusão precária no meio social de indígenas e afrodescendentes no estado de Santa Catarina contemporâneo aos processos históricos do Brasil. Isso explica o esquecimento dos índios (Kaingang), negros e caboclos na história local e o “pioneirismo” de outras etnias.


A “civilização” é um conceito eurocêntrico usado numa perspectiva evolucionista que tem como referência a hierarquia entre diferentes formas de sociedade, tendo o modelo europeu na escala máxima. Toda e qualquer forma de organização social que não se enquadra a esse molde é tido como atrasado ou selvagem. 

Já o “progresso” é bem conhecido pela população brasileira, é uma das palavras inscritas em nossa bandeira nacional. A frase “Ordem e Progresso” é inspirada no Positivismo, corrente filosófica do final do século XIX que coloca a ciência e seus avanços como os únicos responsáveis pelo desenvolvimento da civilização.


Após 66 anos de existência nossa cidade sofre com vandalismo, pessoas que jogam lixo no chão, falta de asfalto de qualidade, transporte público limitado, zona azul, vários tipos de preconceitos, não existe política pública eficiente em prol dos moradores de rua e nem sequer tem um teatro municipal, tudo isso põe em xeque as ideias de “civilidade” e “progresso” atribuídas a cidade. Quanto a isso, estamos mais próximo da Idade Média que do tal “progresso” inventado pelo filósofo francês Auguste Comte.


Temos que aproveitar os avanços neste ano de 2020, pois o pŕoximo será somente em 2024. Até lá vamos comendo os bolos no centro da cidade. Quanto a outra parte da história, a versão dos índios e dos caboclos, qualquer ano desses eu conto para vocês.


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