O texto afirma que as medidas tomadas pelo Estado de Santa Catarina "não encontram respaldo nas evidências científicas disponíveis", não tem justificativas epidemiológicas, e tem potencial para causar uma "explosão de infecções, hospitalizações e mortes".
Um manifesto assinado por mais de 50 entidades científicas,
acadêmicas e de saúde, e publicado no fim da tarde desta sexta-feira (27),
mostra que há preocupação entre os pesquisadores com a decisão do governador
Carlos Moisés (PSL) de estabelecer o Plano Estratégico de Retomada das
Atividades Econômicas, que resultará no relaxamento gradual da quarentena a
partir da semana que vem.
O texto afirma que as medidas tomadas pelo Estado de Santa
Catarina “não encontram respaldo nas evidências científicas
disponíveis”, não tem justificativas epidemiológicas, e tem potencial para
causar uma “explosão de infecções, hospitalizações e mortes”.
O alerta segue, dizendo que o
número de casos novos de covid-19 cresce diariamente em SC desde o dia 14 de
março, sem trégua, e que a situação do país inspira cuidados. “A
disseminação do vírus não está controlada e não há evidências de que já
tenhamos conseguido achatar a curva de crescimento de casos novos, que até o
momento é semelhante às de Itália e Espanha, onde tem havido muitas
mortes”.
Os cientistas afirmam, ainda, que a proposta do governo de
SC “facilitará a disseminação do vírus, com mais pessoas doentes e mais
necessidade de leitos de UTI”. E ressalta, que não foram apresentados
parâmetros de projeção de internações que justifiquem a retomada das atividades
econômicas neste momento.
“O caminho desenhado nesse momento por SC se mostrou
desastroso em outros contextos internacionais”, diz o manifesto. Os
cientistas afirmam que o enfrentamento à emergência sanitária não deveria
envolver antagonismo entre ciência e economia. “A conduta a ser
encaminhada pelos gestores públicos é aquela que protege a vida de seus
cidadãos e suporta a economia mediante políticas eficientes. A estratégia
anunciada pode nos transformar no primeiro estado que adotou medidas rigorosas
de contenção da pandemia, no primeiro a sair destas medidas e – muito
provavelmente – no primeiro a voltar a elas, a um preço muito maior e à custa
de vidas de muitos cidadãos”.
André Ramos, presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) em Santa Catarina, disse que a “guinada”
do governo chocou a comunidade científica, que vinha apoiando as medidas de
isolamento social determinadas no Estado.
Leia o manifesto na íntegra:
As entidades científicas, acadêmicas e de saúde que
subscrevem este documento manifestam sua preocupação com a divulgação do plano
de retomada econômica anunciado pelo Governo do estado em 26 de março de 2020.
Entre outras medidas, tal plano prevê a abertura, a partir de 01/04, de
diversos setores não essenciais, desde que limitem a entrada de pessoas a 50%
da capacidade do estabelecimento, dentre outros condicionantes.
Tanto quanto os demais setores da sociedade catarinense, as
comunidades científica e médico-sanitária de SC também veem com grande
preocupação a grave situação da pandemia de COVID-19, seja por seu impacto na
saúde ou por seus efeitos econômicos. A ciência, assim como o sistema público
de saúde, é diretamente dependente do desenvolvimento econômico, mas é também
um de seus mais importantes propulsores. Na era do conhecimento, a ciência, que
proporciona as bases para cerca de 96% da inovação produzida no país, é a mesma
que dá suporte para proteger e melhorar a vida das pessoas. Em SC temos muitos
exemplos disso: de novos anti-inflamatórios à criação de ostras, da fabricação
de compressores que não atacam a camada de ozônio à telemedicina mais moderna
do Brasil.
No cenário atual, as medidas de contenção adotadas pelo
governo do estado de SC estão suportadas em evidências científicas e por
associações acadêmicas e assistenciais. Além das orientações da Organização
Mundial da Saúde, diversas sociedades médico-científicas reforçaram, em notas
oficiais, a necessidade de continuidade do isolamento social, alertando que
qualquer orientação contrária é irresponsável e pode pôr em risco a vida de
milhares de pessoas.
Um artigo publicado na revista Science informa que as
medidas drásticas de controle implementadas na China diminuíram
substancialmente a expansão da COVID-19. Na Itália, o prefeito de Milão
reconheceu que errou ao apoiar a campanha “Milão não para”: o número de mortos
na cidade saltou de 12 para mais de 4 mil em poucas semanas. A decisão do
governo do estado de SC em relaxar as medidas de isolamento social a partir da
primeira semana de abril não encontra respaldo nas evidências científicas
disponíveis.
Não há justificativas epidemiológicas para sustentar essa
opção e ela tem o potencial de causar a explosão de infecções, hospitalizações
e mortes no estado. O número de casos novos da COVID-19 apresenta crescimento
diário em SC desde 14 de março; estamos entre os estados com maior número de
casos confirmados no país e a curva continua ascendente.
Além disso, o Brasil registrou, na
terceira semana de março, dez vezes mais internações por insuficiência
respiratória grave que o esperado para o período, e foram reportados 100 mil
novos casos de COVID-19 no mundo nos dois dias anteriores ao anúncio do governo
estadual.
Ou seja, a disseminação do vírus não está controlada e não
há evidências de que já tenhamos conseguido achatar a curva de crescimento de
casos novos, que até o momento é semelhante às de Itália e Espanha, onde tem
havido muitas mortes.
Também não podemos considerar que
o sistema de saúde esteja preparado para receber a quantidade de pessoas que
podem necessitar de cuidados intensivos. A proposta do governo de SC facilitará
a disseminação do vírus, com mais pessoas doentes e mais necessidade de leitos
de UTI. Essas são as evidências aprendidas com outros países e não há
contraposição a elas. Apesar disso, não se tem conhecimento sobre qual a
estimativa de casos novos e quantos precisarão ser hospitalizados. Existem
projeções? Quais são? Que parâmetros de modelagem o estado está utilizando para
embasar tão séria decisão? O estado tem 785 leitos de UTI, com ocupação média
de 80%.
Já são 474 casos confirmados, mas o número certamente é
maior em função da baixa testagem. Estimativa de pesquisadores britânicos projeta
cenário dramático para o Brasil, caso as estratégias de controle não sejam
adequadas e haja grande contaminação. Para SC, que está sendo colocada na rota
de baixo cuidado, as estimativas projetam necessidade de leitos hospitalares e
demais equipamentos muito além do que há disponível.
O estado tem mais idosos que a média do país – 17% da
população total – e poucos deles vivem sozinhos. Nesse momento, a capacidade
instalada e a disponibilidade de insumos não permitem a testagem em massa para
identificar todos os casos, de modo a permitir isolamento apenas dos grupos de
risco, pois não sabemos se eles estarão ou não em contato com portadores sem
sintomas. Dados da própria Secretaria Estadual da Saúde de SC apontam que a
doença ocorre mais frequentemente entre pessoas de 30 e 39 anos. Dados
internacionais mostram que há muitos infectados jovens sem sintomas. Não há
como ter um isolamento efetivo de grupos de risco nessas condições.
As evidências já são cristalinas sobre a alta capacidade que
o vírus tem em se disseminar, de causar hospitalizações e mortes nos pacientes
que requerem internação. O caminho desenhado nesse momento por SC se mostrou
desastroso em outros contextos internacionais. No enfrentamento à emergência
sanitária causada pela COVID-19, não deve haver antagonismo entre a melhor
evidência científica e a melhor ação para o estímulo econômico. A conduta a ser
encaminhada pelos gestores públicos é aquela que protege a vida de seus
cidadãos e suporta a economia mediante políticas eficientes. A estratégia
anunciada pode nos transformar no primeiro estado que adotou medidas rigorosas
de contenção da pandemia, no primeiro a sair destas medidas e – muito
provavelmente – no primeiro a voltar a elas, a um preço muito maior e à custa
de vidas de muitos cidadãos.
MAIS QUE NUNCA, É HORA DE CONFIAR NA CIÊNCIA”.
Assinam esse manifesto em 27 de março de 2020:
Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência de SC – SBPC-SC
Departamento de Saúde Pública – CCS/UFSC
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme
Associação Brasileira de Enfermagem – ABEN/SC
Sociedade Brasileira de Bioética – Regional SC
Sociedade Brasileira de Virologia – SBV
Sociedade Brasileira de Imunologia – SBI
Direção do Centro de Ciências da Saúde – CCS/UFSC
Direção do Centro de Ciências Biológicas – CCB/UFSC
Direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFH/UFSC
Direção do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas –
CFM/UFSC
Direção do Centro de Ciências da Educação – CED/UFSC
Direção do Centro de Ciências, Tecnologias e Saúde de
Araranguá – CTS/UFSC
Direção do Centro Tecnológico de Joinville – CTJ/UFSC
Direção do Centro de Ciências Rurais de Curitibanos – UFSC
Direção do Centro de Desportos da UFSC – CDS/UFSC
Direção do Centro de Ciências Agrárias – CCA/UFSC
Direção do Centro Sócio-Econômico – CSE/UFSC
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – PPGSC/UFSC
Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial
– MPSM/UFSC
Programa de Pós-Graduação em Nutrição – PPGN/UFSC
Programa de Pós-Graduação em Linguística – PPGL/UFSC
Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e do
Desenvolvimento – UFSC
Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos, Algas e
Plantas – UFSC
Programa de Pós-Graduação em Bioquímica – UFSC
Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biociências –
UFS
Programa de Pós-Graduação em Ecologia – UFSC
Programa de Pós-Graduação em Farmacologia – UFSC
Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Ciências
Fisiológicas – UFSC
Programa de Pós-Graduação em Neurociências – UFSC
Mestrado Profissional em Perícias Criminais Ambientais –
UFSC
Mestrado Profissional em Farmacologia – UFSC
Mestrado Profissional em Ensino de Biologia – UFSC
Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia –
CCB/UFSC
Departamento de Nutrição – CCS/UFSC
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – CCS/UFSC
Departamento de Patologia – CCS/UFSC
Coordenação do Curso de Graduação em Ciências Biológicas da
UFSC
Coordenação do Curso de Graduação em Farmácia da UFSC
Coordenação do Curso de Graduação em Nutrição da UFSC
Coordenação Local do Programa de Pós Graduação em
Assistência Farmacêutica – associação de IES
Núcleo de Promoção e Atenção Clínica à Saúde do Trabalhador
– NUPAC-ST/UNESC
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde do Trabalhador –
NUPEST/UNESC
Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições –
NUPPRE/UFSC
Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada – NELA/UFSC
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva –
NUPEBISC/UFSC
Grupos de Estudos em Linguagem, Cognição e Educação –
GELCE/UFSC
Grupo de Pesquisa em Farmacoepidemiologia – SPB/CCS/UFSC
Grupo de Pesquisa em Política de Saúde – GPPS/CCS/UFSC
Laboratório de Águas Urbanas e Técnicas Compensatórias –
Lautec/UFSC
Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de
Florianópolis – SINTRASEM
Fórum Saúde e Segurança do Trabalhador no Estado de Santa
Catarina – FSST/SC
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