Aqueles que já recebiam os maiores salários passaram a receber valores ainda mais altos em virtude do efeito cascata provocado pelo reajuste do STF. PGE não foi consultada sobre o assunto
Em novembro de 2018 o Senado aprovou um reajuste de 16,38%
no salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
procurador-geral da República. O reajuste concedido elevou o subsídio de R$
33,7 mil para R$ 39 mil, provocando um efeito cascata em todo o funcionalismo
público, visto que alterou o teto constitucional, parâmetro que determina os
vencimentos de várias carreiras públicas federais e estaduais.
Em Santa Catarina, após o reajuste do STF, o teto
constitucional passou a ser de R$ 35.466,22, o que corresponde ao salário
mensal dos desembargadores do Tribunal de Justiça. O valor representa 90,25% do
subsídio dos ministros do Supremo e foi definido em dezembro de 2013, por meio
de uma Emenda na Constituição estadual. A regra limitou a remuneração dos
ocupantes de cargos públicos da administração direta, autarquias e fundações,
dos membros dos Poderes do Estado, do Ministério Público e do Tribunal de
Contas.
Entretanto, em Santa Catarina, esse ‘efeito cascata’
refletiu de maneira seletiva. Isso porque nem todas as categorias foram
beneficiadas com o aumento do teto constitucional. Até o momento, num universo
de 123.962 servidores, entre ativos e inativos, apenas 900 foram beneficiados
pela medida, o que já causa um impacto de R$ 72 milhões anuais na folha de
pagamento do Estado.
Procurada, a assessoria da Secretaria de Administração
afirma que esse é o número total de beneficiados (900). Porém, é possível
verificar no Portal da Transparência do governo que diversas categorias não
tiveram o teto atualizado. Mesmo dentro de algumas delas, alguns servidores
passaram pela atualização do teto e outros não. Ou seja, o impacto poderá ser ainda
maior, caso seja aplicado a todos.
Contas no vermelho
Conforme determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o
limite máximo para gastos com pessoal é de 60% da Receita Corrente Líquida
(RCL) do Estado, quando incluídos os demais poderes. A distribuição do
percentual ocorre da seguinte forma: 49% para o próprio Executivo; 3% para o
Legislativo, incluindo aí o Tribunal de Contas; 6% para o Poder Judiciário; e
2% para o Ministério Público. Os valores estão no âmbito do duodécimo repassado
anualmente aos poderes. De acordo com o Tesouro Nacional, o comprometimento de
Santa Catarina está em 60,57%, já ultrapassando o limite legal.
Ao considerar apenas os salários dos servidores do
Executivo, o valor chega a 48,76% da RCL. Ainda segundo informações da Secretaria
de Administração, mesmo com o aumento do teto, o índice permanecerá dentro 49%
permitidos. Contudo, abre-se aí uma perigosa possibilidade do Estado estar
próximo de desobedecer determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Entretanto, outras controvérsias surgem neste contexto.
Por outro lado, a Secretaria de Administração considera que
a legislação catarinense não prevê nenhum procedimento diferente do que foi
adotado, e que se trata de um desbloqueio do teto salarial, uma atualização, e
não um reajuste na remuneração.
Mesmo com tantas implicações legais e diante do risco de o
Estado ultrapassar o limite imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal quanto
ao gasto com pessoal, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) sequer foi
consultada se o desbloqueio do teto salarial deveria ou não ser autorizado. Em
resposta por meio da Assessoria de Imprensa, a informação é de que o assunto
não chegou à PGE. Sem isso, o índice foi aplicado sem qualquer análise
jurídica.
Contradições
O fato é que a medida vai na contramão do discurso de corte
de gastos, repetido por Carlos Moisés desde o período de transição de governo.
Em diversas manifestações públicas, as palavras de ordem do Executivo têm sido
‘contenção de despesas, ‘enxugamento da máquina’ e ‘calamidade financeira’.
Além disso, aponta no horizonte um novo desgaste com o legislativo, reforçado
pelo fato de outros estados submeterem a mesma decisão ao crivo dos
parlamentares.
É o caso de São Paulo, que não aplicou o índice de forma
integral. Ainda no mês de dezembro, logo após o reajuste dos ministros do STF,
o governo daquele estado enviou à Alesp um projeto de lei tratando dos
subsídios para os cargos de governador, vice e secretários, o que
consequentemente torna-se o teto para o quadro de servidores. O texto limitou a
maior remuneração do Executivo paulista em aproximadamente R$ 23 mil. Valor
cerca de R$ 12 mil abaixo do praticado em Santa Catarina.
O Artigo 23 da Constituição catarinense limita o teto do
funcionalismo ao percentual de 90,25% daquele pago no STF. Ou seja, autoriza,
mas não obriga a chegar aos 90,25%.
SC de fora
Recentemente, oito governadores assinaram uma carta
direcionada ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli,
pedindo à Corte o restabelecimento da medida que prevê a possibilidade de
redução da jornada de trabalho de servidores públicos e consequentemente dos
correspondentes vencimentos. O dispositivo poderia ser acionado em casos de
frustração de receitas, por exemplo. Santa Catarina não participou do pedido,
mesmo já tendo ultrapassado o limite de 60% de comprometimento da Receita
Corrente Líquida com folha de pagamento, considerando, neste caso, todos os
Poderes estaduais.
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