Encontro proposto pelo vereador Elias Araújo envolveu autoridades, especialistas e integrantes do povo caingangue
A construção de um local adequado para os indígenas que estiverem de passagem por São Miguel do Oeste foi um dos assuntos que dominou a audiência pública realizada na Câmara de Vereadores nesta quinta-feira (16). O encontro, promovido pelo vereador Elias Araújo (PSD), buscou debater a situação das famílias indígenas no município. O debate reuniu autoridades do Poder Judiciário, Ministério Público, Prefeitura, representantes de órgãos de apoio aos indígenas e também integrantes do povo caingangue. A audiência também abordou temas como a situação de vulnerabilidade a que ficam expostas as crianças indígenas quando da venda de artesanatos.
Conforme o relato dos presentes, inicialmente as famílias indígenas que vinham a São Miguel do Oeste comercializar artesanato se abrigavam na Estação Rodoviária. O procurador da República Bruno Olivo de Sales disse que a questão chegou ao Ministério Público Federal devido ao risco a que estavam submetidas essas famílias. Ele ressaltou que essas famílias foram deslocadas para um terreno de particular, em caráter provisório. O terreno fica próximo ao Cemitério Municipal.
Sales informou que as famílias indígenas ficam cerca de 15 dias no município para vender artesanato, e que o fluxo migratório faz parte de sua cultura. O procurador do MPF também disse ser preciso que os menores não fiquem expostos a situação de risco, como ruas movimentadas, semáforos, e nem que fiquem desacompanhados dos pais.
CIDADANIA
O analista pericial em antropologia do MPF, Marcos Farias de Almeida, afirmou que a presença dos indígenas não deve ser pensada como um problema, mas sim que São Miguel do Oeste irá se constituir com essa diferença. “O que se quer é praticar a cidadania considerando as diferenças étnicas e culturais”, acrescentou. Marcos ressaltou que as áreas onde hoje se constroem os prédios e casas foram por muito tempo local de passagem dos indígenas para caçar e coletar. Disse que a cidade tem regras propostas pela sociedade, e que os indígenas também estão abertos ao diálogo. O antropólogo também informou que já foi debatida a instituição de um espaço para a venda de artesanatos pelos indígenas, e sugeriu que a criação e a administração desse local sejam acompanhadas por esses povos.
CASA DE PASSAGEM
A procuradora do Município, advogada Bárbara Giongo Rodrigues, informou que o Município articulou a cedência de um terreno próximo ao Creas para construção de uma casa de passagem. Na mesma linha, a secretária de Assistência Social, Marta Sotilli, ressaltou que o terreno onde hoje as famílias estão instaladas é de particular, o que não permite ao município fazer investimentos. A disponibilidade deste novo terreno para a construção de casa de passagem, informou Marta, facilita os atendimentos, pois fica próximo ao Creas e também ao local onde hoje as famílias se instalam.
A secretária de Assistência Social ressaltou que as principais demandas das famílias indígenas eram por banheiros, por um local para lavar roupas, ligação de luz e de água, o que hoje não há no terreno ocupado pelos indígenas. Marta Sotilli também informou que já foi projetada uma estrutura para essa casa de passagem, com um custo de R$ 45 mil. “Só vamos descansar quando esta demanda for atendida”, informou.
Questionado pela plateia sobre os recursos para construção desse espaço, o procurador da República Bruno de Sales afirmou que a ideia é que os valores venham do próprio Ministério Público Federal, através de repasses por ações como termos de ajustamento de conduta. Já a gestão da casa, informou Sales, deve ser discutida posteriormente. “Não devemos ver isso como um gasto, pois estamos dando uma condição melhor a essas famílias. Com isso espera-se de contrapartida o respeito a regras como manter as crianças indígenas fora de situações de risco”, afirmou Sales.
Jacson Santana, representando o Conselho Indigenista Missionário, ressaltou que o nosso território tradicionalmente foi ocupado pelos povos guarani e caingangue. Ele lembrou que aproximadamente metade dos indígenas no Brasil residem hoje nas cidades. “É importante respeitar, entender e compreender. Eles querem o respeito à identidade”, afirmou Jacson, acrescentando que a sociedade tem responsabilidade e deve respeito aos indígenas, considerando o extermínio que foi feito com esses povos nos séculos anteriores.
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO
A coordenadora do Conselho Tutelar, Viviane Dalmagro, comentou como são feitos os atendimentos pelo órgão em relação às crianças indígenas. Ela afirmou que recebem denúncias de crianças em situação de vulnerabilidade; os conselheiros abordam a criança, perguntam sobre os pais e a levam até eles, mediante um termo. Viviane informou que a partir da 3ª reincidência pode representar contra os pais. Porém, ela informou que é difícil isso ocorrer, devido à rotatividade dessas famílias.
Coordenadora da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Iraí – RS, Marijara Dazzi considerou como positiva a proposta de criação de uma casa de passagem, e defendeu que os indígenas participem do processo de elaboração. “Eles não querem morar aqui; querem comercializar seu artesanato”, afirmou, justificando que as crianças viajam com os pais porque aprendem fazendo, pois ensinam pela oralidade. Marijara também afirmou que os indígenas vêm para trabalhar, e não para pedir esmola.
A coordenadora do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Jociane Bach, apresentou alguns dados dos atendimentos realizados pelo órgão. Ela informou que as famílias indígenas que passam por São Miguel do Oeste são oriundas principalmente dos municípios de Tenente Portela, Redentora, Miraguaí, Vicente Dutra e Iraí. Ela informou que 34 famílias foram atendidas pelo Creas no primeiro semestre deste ano, mas que nem todas procuram o órgão.
INVISÍVEIS ÀS AUTORIDADES
Representando a Ordem dos Advogados do Brasil, Andressa de Freitas Dalmolin parabenizou pela proposição da audiência. “Que bom que a população indígena deixou de ser invisível em nosso município”, afirmou, ressaltando que a responsabilidade perante os indígenas é da União, dos Estados e Municípios e de todos nós. Por fim, afirmou que a OAB estará do lado de quem estiver na busca por igualdade de direitos.
O delegado de Polícia Conrado Cintrão revelou que há pouquíssimos inquéritos na Polícia Civil em que constam como vítimas pessoas indígenas, e atribui isso a uma subnotificação criminal. “Os crimes contra os indígenas não são informados. E isso é uma violação de direitos”, afirmou, apelando para que as pessoas que tenham conhecimento de crimes praticados contra pessoas indígenas que informem às autoridades.
Questionado sobre as dificuldades de integração dos povos indígenas com a sociedade civil, o antropólogo Marcos Farias de Almeida explicou que o grande desafio da sociedade é pensar os indígenas como pessoas capazes do diálogo e de exercer a cidadania. “Assim como eles se esforçam para conhecer a gente, devemos nos esforçar para conhecê-los. Assim seríamos pessoas melhores”, defendeu.
AVALIAÇÃO
O proponente da audiência pública, vereador Elias Araújo, avaliou como positivo o encontro, considerando a ampla participação da comunidade, o conhecimento dos especialistas presentes e também os resultados, como a ampliação do debate sobre a casa de passagem e o envolvimento da comunidade miguel-oestina na discussão desse tema. Ele informou que o tema é inédito em uma audiência pública em São Miguel do Oeste, e que o encontro foi um primeiro passo para a concretização de direitos e garantia de melhores condições aos indígenas que passarem por São Miguel do Oeste.
A audiência pode ser ouvida na íntegra no site da Câmara de Vereadores (www.saomigueldooeste.sc.leg.br). Mais fotos na página do Facebook do Legislativo: www.facebook.com/legislativosmo.
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