Ex-secretário de Saúde fez acusação ao atual secretário da Casa Civil. Estado comprou respiradores por R$ 33 milhões e equipamentos não chegaram
O ex-secretário da Saúde, Helton Zeferino, afirmou que a Casa Civil teria participado diretamente das últimas compras para o Governo de Santa Catarina. A afirmação foi feita na tarde de terça-feira (5) durante um depoimento prestado ao Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), sobre a compra de respiradores por R$ 33 milhões em março. Os equipamentos, que serão usados no combate à pandemia do novo coronavírus, ainda não chegaram.
Em entrevista à NSC TV nesta quarta (6), o secretário da Casa Civil Douglas Borba disse que não teve participação na compra e que a Casa Civil cobra ações para o combate à pandemia às demais secretarias, mas que os processos licitatórios e de compras são de responsabilidade de cada setor individualmente.
Também na terça (5), a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a compra dos respiradores. A Secretaria de Estado de Comunicação informou que o governador Carlos Moisés (PSL) deve se manifestar sobre os depoimentos e declarações ainda nesta quarta.
O estado comprou os respiradores no dia 26 de março. Cada aparelho custou R$ 165 mil, valor pelo menos 65% mais caro do que os adquiridos pela União durante a atual pandemia. O primeiro lote, com 110 respiradores, deveria ter chegado até 7 de abril, o que não ocorreu. Um segundo lote, com o restante, precisaria ser entregue até 30 de abril, o que também não foi efetuado.
A 1ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis bloqueou R$ 33 milhões da empresa Veigamed, que vendeu os 200 respiradores por esse valor, e suspendeu qualquer novo pagamento relativo ao contrato. Além da CPI na Alesc, o caso é investigado pela Polícia Civil e pelo Tribunal de Contas (TCE-SC).
Durante as investigações, Zeferino pediu para deixar o cargo de secretário. Na segunda-feira, o Estado admitiu “fragilidades” na compra.
Depoimento ao Gaeco
No depoimento espontâneo ao Gaeco, como mostrou a NSC TV, Zeferino admitiu que autorizou a compra dos respiradores, tendo como base um parecer jurídico da Secretaria de Saúde, mas negou que tenha ordenado diretamente o pagamento de R$ 33 milhões pelos aparelhos.
Ainda conforme o ex-secretário, o Chefe da Casa Civil, Douglas Borba, teria pressionado o governo em, pelo menos, quatro oportunidades e teria trazido a empresa contratada para a compra dos respiradores. Segundo depoimento ao Gaeco, Zeferino disse que Borba pressionou para que saísse a compra dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) no valor de R$ 70 milhões, barrada pela Procuradoria Geral do Estado.
O ex-secretário disse que Borba participou diretamente da articulação da contratação do hospital de campanha, suspensa após polêmicas, e que também pressionou para que a Secretaria de Estado da Saúde fizesse o pagamento de aproximadamente R$ 40 milhões a uma empresa que fez a gestão do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em um determinado momento. Segundo o ex-secretário, a própria pasta teria considerado o pagamento indevido.
O depoimento durou aproximadamente quatro horas. Zeferino teria entregado o próprio celular para perícia e falado sobre ações feitas por outras secretarias. Ele já havia sido ouvido por promotores e delegados de polícia no domingo (3) e, na manhã de terça-feira (5), procurou o Gaeco para, desta vez, falar sobre o caso de maneira espontânea.
Em entrevista na terça (5), a servidora exonerada da função comissionada de superintendente de Gestão Administrativa, Márcia Regina Pauli, disse que a compra dos respiradores passou por, pelo menos, 16 setores e 16 pessoas, informação confirmada pela NSC TV. Entre elas, o então secretário da Saúde, Helton Zeferino, e o chefe da Casa Civil, Douglas Borba. O G1 tentou por cinco vezes contato com a servidora do estado e aguardava retorno até as 15h30 desta quarta.
Casa Civil nega participação
Em entrevista ao Jornal do Almoço nesta quarta-feira (6), o secretário da Casa Civil Douglas Borba afirmou que faz, sim, cobranças para que haja ações de combate à pandemia, mas que cada pasta é responsável pela forma como essas serão feitas.
“O secretário da Casa Civil não diz como tem de ser feito e sim o que tem de ser feito. […] Em 24 de março mandei mensagem para a servidora dizendo ‘estou encaminhando tudo o que recebo, vocês filtram aí’. […] Como vai adquirir foge do secretário da Casa Civil, cada setor é responsável por suas compras e elas precisam seguir o processo legal”, disse Borba.
Ele ainda reafirmou o que outros secretários do governo têm dito nos últimos dias, que a Secretaria de Saúde fez muitos processos licitatórios que não tiveram problemas e que ele não teve envolvimento nas compras mencionadas por Helton Zeferino no depoimentos ao Gaeco.
“A Secretaria fez mais de 100 aquisições durante o processo de pandemia, quase todos eles já foram auditados pela Controladoria Geral do Estado e foram bem sucedidos. Foi pontual e isso está sendo apurado, não é possível ao me ver que continuemos um embate político durante uma pandemia”, afirmou o secretário da Casa Civil.
Empresa conseguiu autorização para importar após contrato
Um documento mostrado pela NSC TV mostra que a habilitação para a empresa fazer importações e exportações foi conseguida no dia 27 de março, um dia depois de o Governo do Estado firmar o contrato para a aquisição dos respiradores vindos da China.
O documento menciona ainda a capacidade técnica da empresa, de importar por processo até US$50 mil. Por ser enquadrada no Simples Nacional, a empresa pode fazer importações no montante máximo de R$ 4,8 milhões. A compra total dos respiradores resultou em R$ 33 milhões. Em nota enviada à imprensa no dia 4 de maio, a empresa Vegamed afirmou que aguardava a liberação das autoridades alfandegárias chinesas para trazer os respiradores para o Brasil.
“Os atrasos crescentes na saída de equipamentos da China são fato público, constituindo-se em um motivo fora do controle da empresa. Dado o exposto, a empresa Veigamed reitera seu absoluto compromisso em honrar seus contratos, fator que a mantém com ilibada conduta comercial ao longo de sua trajetória de mais de duas décadas”, afirmou em nota a empresa.
Secretário da Administração fala de certificação de empresa em coletiva
Durante coletiva de imprensa na terça (5), convocado pelo Governo do Estado para falar sobre a compra dos respiradores, o secretário de estado da Administração, Jorge Tasca, disse que a empresa está dentro dos prazos legais para respostas aos questionamentos feitos pelo Estado.
“Prazos estão correndo ainda das informações que a empresa deve prestar em relação às notificações que recebeu. Ela apresentou nota à imprensa destacando algumas informações que ela já vem prestando no processo administrativo e nas notificações que a Secretaria de Estado da Saúde fez. O processo segue com uma série de providências e acompanhamentos para que, efetivamente, ele seja devidamente cumprido”, afirmou Tasca.
Participaram ainda da coletiva o chefe da Casa Civil, Douglas Borba, e o procurador-geral do estado, Alisson de Souza. A coletiva ocorreu enquanto Zeferino prestava depoimento ao Gaeco. Na ocasião, Borba também negou que tenha participado diretamente da contratação da empresa fornecedora dos equipamentos.
“Não houve qualquer participação da Casa Civil em indicação dessa empresa, de ter trazido essa empresa para vender os equipamentos para o governo do estado, isso eu nego veementemente. Não há qualquer participação também do governador do estado nas questões de compra, sobretudo dessa compra em especial. É humanamente impossível que o secretário da Casa Civil, o secretário da Administração ou o procurador-geral do estado e, muito menos, o governador do estado de Santa Catarina tenha detalhes de cada procedimento de compra”, afirmou Borba na coletiva.
Ele disse ainda não saber quem são as 16 pessoas que participam do contexto de compra, conforme mencionado pela servidora do estado exonerada e que não conhece a estrutura administrativa de compra da Secretaria da Saúde.
“Mas o fato é que certamente houve um orçamento, certamente houve um parecer jurídico, certamente houve cotação, houve liquidação, empenho, pagamento, enfim, e tudo isso a sindicância está apurando e inclusive o nível de responsabilidade de cada um dos agentes públicos”, afirmou Borba.
CPI na Alesc
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina instaurou CPI para investigar as possíveis irregularidades na compra dos respiradores. Na sessão de terça-feira (5) os deputados estaduais apresentaram os nove membros da Comissão Parlamentar de Inquérito.
A abertura da investigação foi aprovada por unanimidade há uma semana, após a compra dos 200 respiradores mecânicos pelo Governo do Estado. A dispensa de licitação aconteceu no final de março e a previsão era que o os equipamentos para UTI chegassem em abril.
A primeira reunião da Comissão deve ocorrer na quinta-feira (7) e os deputados têm 120 dias para concluir os trabalhos.
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