Dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação mostram que o número de fiscalizações para o combate ao trabalho infantil caiu em 2019, assim como o número de crianças encontradas em condições de trabalho infantil.
De janeiro a julho deste ano, a Secretaria de Inspeção do
Trabalho fez 361 fiscalizações para o combate ao trabalho infantil. Esse número
é o segundo menor registrado nos últimos 10 anos. Os estados com menos ações
neste ano foram Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí. Segundo os dados, não
houve fiscalização neste ano no Acre e no Espírito Santo.
No mesmo período de 2018, por exemplo, foram 432
fiscalizações de trabalho infantil. Isso significa, portanto, que houve uma
queda de 16,4% no número de fiscalizações em um ano.
O ano com o maior número de inspeções nos últimos 10 anos
foi 2011. Foram 1.221 inspeções naquele ano. Já o menor número foi registrado
em 2016 – 188 inspeções.
Os dados foram conseguidos via Lei de Acesso à Informação e
são os mais recentes enviados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, ligada
ao Ministério da Economia. O levantamento não considera os dados das
fiscalizações da Lei de Aprendizagem, que abrange adolescentes a partir de 14
anos.
O número de crianças encontradas em situação de trabalho
infantil também caiu: 652 crianças de janeiro a julho de 2019. Nesse intervalo
de 2018, foram 1.165 crianças. O menor número foi registrado em 2016: 582.
Neste ano, de janeiro a julho, não houve fiscalização para o
combate ao trabalho infantil no Acre e no Espírito Santo. Já no Tocantins e na
Paraíba houve apenas uma ação fiscal. A lista de estados com mais fiscalizações
em 2019 é liderada por Mato Grosso do Sul: 56 operações – o equivalente a 15,5%
do total. Em seguida, vêm Minas Gerais e São Paulo, com 40 e 32 fiscalizações,
respectivamente.
Em nota, a Secretaria de Inspeção do Trabalho diz que houve
uma greve de auditores, profissionais envolvidos nas fiscalizações, em 2016 e
que “todos os projetos tiveram redução nesse período como
consequência”. Para a secretaria, porém, os dados de 2019 “não
indicam valores discrepantes em relação a outros anos”.
Combate ao trabalho infantil
Para Roselaine Bonfim de Almeida, professora de economia da
Universidade Federal da Grande Dourados, que escreveu uma tese de doutorado
sobre o efeito das fiscalizações do trabalho para a redução do trabalho
infantil no Brasil, as fiscalizações são um dos elementos importantes para
combater o trabalho infantil.
“A gente não vai conseguir resolver esse problema enquanto a
gente não resolver outros problemas no nosso país, como a questão da
distribuição de renda – um dos principais determinantes é a pobreza – e a
escolaridade dos pais. Há indícios de que quanto maior a escolaridade dos pais
menor é a probabilidade de trabalho infantil”, diz a professora.
A secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Oliveira, afirma que a redução
do número de fiscalizações pode estar relacionada à contenção de recursos para
essa atividade na Secretaria de Inspeção do Trabalho. Para ela, a falta de
fiscalização pode trazer prejuízos, já que a fiscalização é “uma estratégia
importante” para o combate ao trabalho infantil.
Segundo dados da Secretaria de Orçamento de Federal (SOF), a
dotação atualizada para a fiscalização de obrigações trabalhistas e inspeção em
segurança foi de R$ 8,3 milhões em 2018. Já para 2019 esse valor é de R$ 3,3
milhões – 60,6% menor do que o ano anterior.
Isa Oliveira acrescenta ainda que o Brasil assumiu o
compromisso de eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025 ao
ratificar convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela lembra
que o compromisso está dentro de uma agenda que também envolve o combate à
pobreza e à desigualdade, além de melhorias em educação e saúde.
“O maior percentual de crianças em trabalho infantil é de
meninos. Quando analisado, porém, apenas o recorte de trabalho infantil
doméstico, mais de 93% são meninas. A maioria das crianças em trabalho infantil
(65%) é negra. ⅓ do trabalho infantil está no campo e ⅔ estão na cidade. Esses
recortes são importante para as políticas públicas, para fornecer subsídios
para aqueles que tomam as decisões”, afirma a secretária executiva do FNPETI.
Já a socióloga Graça Gadelha, especialista da Rede Peteca,
plataforma que apresenta informações sobre os direitos da criança e do
adolescente e a erradicação do trabalho infantil, lamenta que a política da
infância e da adolescência não é mais uma prioridade e diz que faltam recursos
em áreas estratégicas da educação e dos direitos sociais.
Ela destaca ainda que, sem bases de dados que reúnam
informações sobre o assunto, o governo não conseguirá elaborar e executar políticas
públicas de enfrentamento ao trabalho infantil.
O que é trabalho infantil
O trabalho infantil é caracterizado pelo trabalho feito por
crianças com idade inferior à mínima para a entrada no mercado de trabalho. No
Brasil, o trabalho é permitido a partir dos 14 anos apenas como aprendiz,
seguindo o que é determinado na Lei de Aprendizagem. Já o trabalho é permitido
a partir dos 16 anos, exceto nos caso de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre. Nesses casos, a idade mínima é 18 anos.
O Brasil assinou convenções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) que estabelecem regras e compromissos para desenvolver ações e
legislações com o objetivo de acabar com o trabalho infantil.
A OIT reforça que o trabalho infantil é ilegal e priva
crianças e adolescentes de uma infância normal, além de impedi-los de
frequentar a escola, estudar normalmente e desenvolver de maneira saudável
todas as suas capacidades e habilidades.
O trabalho infantil no Brasil
Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, havia 1,8 milhão de
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil
em 2016. Esse é o dado oficial mais recente divulgado. Para o Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), porém, esse número é
maior.
A secretária executiva do fórum, Isa Oliveira, afirma que
esse número da Pnad Contínua de 2016 não inclui ainda as crianças que estão em
condições de trabalho infantil pelas ocupações “produção para o próprio
consumo” e “na construção para próprio uso”, quando as crianças precisam
trabalhar para se alimentar ou ainda ficam encarregadas de reparos e
construções, muitas vezes na residência da própria família.
Se esses dados fossem considerados, afirma Isa Oliveira, é
possível dizer que havia cerca de 2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a
17 anos em trabalho infantil no Brasil em 2016.
Fiscalização contra o trabalho infantil
A Secretaria de Inspeção do Trabalho afirma que as
fiscalizações de combate ao trabalho infantil são obrigatórias em todas as
unidades regionais e que há um coordenador especificamente designado para o
tema em cada estado. Também é feito, segundo a secretaria, um planejamento
nacional em que são definidas metas de ações por estado e cada coordenador
regional define as estratégias e o planejamento estadual para realização do
quantitativo de ações determinado.
Durante a fiscalização para o combate ao trabalho infantil,
o auditor verifica as condições do ambiente de trabalho, além de entrevistar
eventuais crianças/adolescentes encontrados e o eventual empregador encontrado.
O auditor também preenche a documentação pertinente e entrega notificações para
providências específicas.
Quando há caso de afastamento do trabalho, o auditor
estabelece o pagamento das verbas rescisórias pertinentes, lavra os autos de
infração cabíveis e realiza os devidos encaminhamentos das informações a outros
entes da rede de proteção (conselhos tutelares, assistência social, Ministério
Público e outros órgãos que entender necessários).
Toda fiscalização produz um relatório de inspeção como
procedimento padrão. Esses relatórios são feitos online e seus dados são são
registrados no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (Sfitweb).
O Sfitweb foi instituído em dezembro de 2016 e sistematizou
informações sobre as fiscalizações. Segundo a secretaria, os dados desses
relatórios são consolidados e servem como fonte de informações para consultas
futuras.
Bolsonaro e trabalho infantil
Em uma transmissão ao vivo, em 4 de julho deste ano, o
presidente Jair Bolsonaro afirmou que trabalhou em uma fazenda aos 9, 10 anos
em uma plantação de milho em Eldorado, em São Paulo, e que “não foi prejudicado
em nada”. Bolsonaro também disse que “o trabalho dignifica o homem, a mulher,
não interessa a idade” e que não vai apresentar projeto para descriminalizar o
trabalho infantil “porque seria massacrado”.
“Quando um moleque de 9, 10 anos vai trabalhar em algum
lugar está cheio de gente aí dizendo que é trabalho escravo, não sei o quê,
trabalho infantil. Agora, quando está fumando em um paralelepípedo de crack,
ninguém fala nada. Então o trabalho não atrapalha a vida de ninguém.”
No dia seguinte, porém, Bolsonaro voltou atrás e afirmou que
não defende o trabalho infantil. Ele disse que usou o próprio exemplo para
afirmar que o trabalho “enobrece todo mundo e se aprende a dar valor ao
dinheiro desde cedo quando se trabalha”.
“Trabalhei desde os 8 anos de idade plantando milho,
colhendo banana, com caixa de banana nas costas com 10 anos de idade e
estudava. E hoje sou quem sou. Isso não é demagogia. Isso é verdade”,
afirmou.
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