Relatório nacional apontou nove estruturas com alto risco no Estado. Frente Parlamentar busca regulamentação local sobre o tema
Mas o episódio de Brumadinho deixou outra herança que também
precisa ser recordada: os cuidados com a segurança das barragens. Em Santa
Catarina, o último Relatório Anual de Segurança nas Barragens, de 2018, apontou
a existência de 157 estruturas de barramento. Atualmente, esse número já subiu
para 192. Dessas, nove foram consideradas preocupantes porque combinam a
classificação de risco alta, com o chamado dano potencial associado também
alto. Este último é um critério que não avalia se há existência ou não de risco
de incidentes, mas aponta o potencial dano ambiental, econômico, social e de
vidas que a estrutura pode provocar em caso de problema.
No relatório do ano anterior, de 2017, somente uma barragem
havia combinado a classificação alta em risco e dano potencial associado – a
barragem Novo Horizonte, em Lauro Muller, no Sul do Estado. Em 2019, após nova
vistoria em abril, esta estrutura foi reclassificada com risco baixo.
Os proprietários das nove barragens consideradas
preocupantes foram autuados nos últimos meses do ano passado. Eles receberam
prazos de 45 a 60 dias para apresentarem uma inspeção regular. Segundo a
Secretaria de Desenvolvimento Econômico, responsável por fiscalizar, parte dos
empreendedores já respondeu informando que estão providenciando a inspeção, que
pode indicar eventuais problemas na estrutura ou atestar a segurança. Em
fevereiro, uma nova verificação presencial nas barragens deve verificar se as
providências foram tomadas. Se nada for feito em mais 30 dias, os responsáveis
podem receber multa.
O engenheiro agrônomo e técnico analista da secretaria,
Robson Luiz Cunha, ressalta que embora as nove barragens tenham a classificação
de risco e o dano potencial associado alto, isso não significa que elas estejam
em situação de emergência ou com possibilidade de romper.
Muitas vezes é a falta de documentações, que são
importantes, mas não significa que estejam com rachadura para romper a qualquer
momento. É importante deixar claro.
Robson Luiz Cunha, engenheiro agrônomo da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico Sustentável
Fiscalização é dividida em três órgãos
O engenheiro da Secretaria de Desenvolvimento Econômico
Sustentável, Robson Luiz Cunha, diz que a inspeção regular é essencial para
observar algum perigo e avaliar com antecedência a situação de cada barragem e
eventual necessidade de reparos. Ele explica que uma dificuldade para a
fiscalização decorre da construção das barragens.
– Algumas são mais antigas, foram feitas há muitos anos e
não tem projeto, ou o projeto se perdeu, não têm documentação. É isso que se
cobra. Que tenha um responsável técnico, que recebam inspeção regular uma vez
ao ano, que tenham a documentação necessária – acrescenta Cunha.
O Relatório Anual de Segurança nas Barragens foi divulgado
em dezembro de 2019 com dados referentes a 2018 e é elaborado pela Agência Nacional
das Águas (ANA), com base em dados de três órgãos responsáveis por fiscalizar
as barragens em Santa Catarina. Ao longo do ano, os dados são atualizados no
site da ANA.
As estruturas de rejeitos de mineração são vistoriadas pela
Agência Nacional de Mineração (ANM). A entidade era responsável por fiscalizar
14 barragens de mineração, das quais 10 receberam inspeção dos proprietários em
2019, segundo o relatório. Em todo o país, o órgão afirma ter vistoriado 274
estruturas em 2019 – 51% do total de barramentos de mineração do Brasil.
Já os barramentos usados na geração de energia elétrica têm
fiscalização que compete à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). São
105 no Estado, quase dois terços do total. Dessas, somente duas foram
fiscalizadas no ano passado. Outras 24 estão previstas para serem monitoradas
em 2020.
Por fim, as barragens de acumulação de água para uso
múltiplo, como abastecimento, contenção de cheias ou piscicultura, são
vistoriadas pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável, do
governo do Estado. São essas 38 barragens que se encaixam no Plano Nacional de
Segurança de Barragens que tiveram todas as vistorias concluídas no ano passado
e foram alvo de notificações, no caso das nove estruturas com risco e dano
potencial altos.
Após o rompimento em Brumadinho, a Assembleia Legislativa
de Sanat Catarina (Alesc) criou a Frente Parlamentar de Segurança nas
Barragens, que reúne representantes do governo do Estado, deputados e
acadêmicos para discutir fiscalização e proteção dessas estruturas.
O membro da coordenação do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) em Santa Catarina, Rodrigo Timm, participa das discussões. Ele
conta que uma das prioridades é a criação de uma política estadual de direitos
da população atingida, para que se estabeleça na lei o que deve ser oferecido a
pessoas atingidas por incidentes com barragens ou mesmo com a instalação dessas
estruturas em novas regiões do Estado.
O deputado Fabiano da Luz (PT), coordenador da frente, diz
que um projeto de regulamentação das barragens foi discutido com os integrantes
do grupo e deve ser apresentado em forma de proposta de lei ao longo deste ano.
Minas Gerais apertou as leis após os casos de Mariana e
Brumadinho e nós ainda estávamos um pouco soltos – avalia o parlamentar, que
defende mais estudos de prevenção em locais onde há barramentos.
Das 192 barragens existentes hoje em Santa Catarina, 10
foram classificadas como de alto risco, o equivalente a 5,2%. Outras 139 (72,4%),
mais de dois terços do total, são classificadas como de baixo risco. Já na
análise sobre o dano potencial associado, 90 (46,8%) se encaixam na definição
alta – caso haja algum problema na estrutura, um número amplo de pessoas pode
ser impactado.
Brumadinho teve 270 mortes
Em todo o país, a discussão sobre a segurança de barragens
ganhou força definitivamente após um incidente semelhante ocorrer pela segunda
vez em Minas Gerais, no caso de Brumadinho. Esta semana, 16 pessoas foram
indiciadas por homicídio doloso, incluindo o ex-presidente da Vale e mais 10
funcionários.
O drama dos mineiros recebeu auxílio de catarinenses, que
foram à cidade devastada pela lama para auxiliar nas buscas. O capitão Renan
César Ceccato, à época no Corpo de Bombeiros de Blumenau, esteve em Brumadinho
(MG) após o rompimento da barragem para ajudar na busca por vítimas. Ele conta
que a experiência no local foi marcante e que as tecnologias usadas na
ocorrência são mencionadas ainda hoje em treinamentos.
– Por mais que tenhamos experiências como a calamidade de
2008 no Vale do Itajaí, lá você tem tudo no campo de visão, fica muito
concentrado e é possível ter a dimensão do impacto da perda de vidas e do
impacto físico na região. É um aprendizado das técnicas e também nos torna mais
resilientes em ocorrências do dia a dia – pontua.
Esta semana, uma marcha em Brumadinho contou com a presença
de manifestantes de todo o país, incluindo membros do Movimento de Atingidos
por Barragens de SC (MAB). O membro do grupo, Rodrigo Timm, afirma que uma
lição precisa ficar clara:
– A maioria das barragens opera dentro da lógica do lucro e
que empresas, por conta da não responsabilização, só calculam como prejuízos. A
grande lição, e um dos lemas do movimento, é que o lucro não deve estar acima
da vida.
As barragens com
classificação de risco alta:
ABELARDO LUZ
Barragem: Tribo Kaingang
Responsável: Funai
A Funai não respondeu a reportagem até o fechamento da
edição.
IRANI
Barragem: Lago Municipal
Responsável: Município de Irani
O membro da comissão municipal de Defesa Civil de Irani,
Flávio de Mello, afirmou que o município não foi notificado. Ele diz que o
município não considera o lado municipal como barragem, mas que o local faz
parte do plano de contingência elaborado como exigência da Defesa Civil de SC.
O estudo, no entanto, é referente a alagamentos.
Barragem: Tortelli
Responsável: Sergio Luiz Tortelli
O responsável afirmou que o reservatório de água não é
utilizado atualmente e que estaria em área de reserva legal, não podendo mais
ser usada. Ele disse ter recebido um documento do governo há alguns meses, mas
não deu detalhes.
BOCAÍNA DO SUL
Barragem: Faz. Pinheiro Marcado
Responsável: Condomínio Fazenda Pinheiro Marcado
O empreendedor do condomínio responsável pela barragem,
Vilso Isidoro, explica que recebeu no fim do ano passado um documento com
solicitação para cadastrar a barragem junto ao governo do Estado. Ele diz que
os documentos já foram encaminhados e enviados também ao Ministério Público.
Vilso afirma que a estrutura é pequena, está sem água há dois anos e passou por
uma correção recente. Ela deve voltar a receber água este ano e tem como
finalidade a recreação dos proprietários. Mesmo assim, um laudo foi elaborado
após o serviço e incluído na documentação.
CAÇADOR
Barragem: Iraci Zarto
Responsável: Iraci Figueroa Zarto
O filho de Iraci, Atílio Zarto, detalha que recebeu no fim
do ano passado uma notificação de risco da barragem que fica no terreno da
família. Ele defende que o barramento tem apenas 1,5 metro de altura e que não
foi detalhado o que representaria risco para a estrutura. Agora, a família vai
contratar a elaboração de um laudo para mapear a situação da barragem.
Barragem: José Figueroa
Responsável: José Carlos Figueroa
O filho de José Carlos diz que o pai morreu há 10 anos. A
estrutura fica em um terreno da família, mas segundo o filho Carlos José seria
um barramento de um pequeno açude. Ele diz não ter recebido nenhum contato do
Estado.
CORREIA PINTO
Barragem: Maziero
Responsável: Madeireira Maziero LTDA
Não retornou a reportagem até o fechamento da edição.
OTACÍLIO COSTA
Barragem: Rex 42
Responsável: Industrial Rex LTDA
Barragem: Rex 67
Responsável: Industrial Rex LTDA
A empresa responsável disse não ter recebido nenhuma
notificação e que as barragens da empresa estão em situação regular.
* A barragem Lago Ubatã, de Santa Cecília, também foi
classificada como de alto risco, mas tem dano potencial associado médio, então
não foi incluída entre as chamadas preocupantes pela ANA.
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