No dia 25 de novembro, última segunda-feira, foi celebrado o Dia Internacional da Não violência contra a mulher. Os dados são alarmantes, em São Miguel do Oeste, só em 2019 já são 660 registros de boletins de ocorrência envolvendo violência contra a mulher, mais de 180 inquéritos policiais instaurados, mais de 200 medidas protetivas de urgência solicitadas. Santa Catarina contabiliza 53 casos de feminicídio este ano
No dia 25 de novembro foi celebrado o dia internacional da não violência contra a mulher, realidade enfrentada por um número grande de mulheres. A maior parte dos casos de violência contra a mulher ocorre dentro de casa, tendo o parceiro como principal agressor. Nesta semana, no dia de combate a violência contra a mulher, uma mulher foi vítima de feminicídio na cidade de Itapiranga, na região Extremo-Oeste. A mídia mostra diversos casos bárbaros diariamente de violência, abuso e feminicídio.
De acordo com as estatísticas de 2019, o crime de feminicídio cresceu mais de 44% no primeiro semestre, a cada 2 segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal, a cada 6.9 segundos, uma mulher é vítima de perseguição. A cada 1.4 segundo, uma mulher é vítima de assédio. A cada 2 minutos, uma mulher é vítima de arma de fogo. A cada 4.6 segundos, uma mulher é vítima de assédio no trabalho. Só hoje, com esses dados, mais de 30 mil mulheres sofreram algum tipo de violência. Santa Catarina contabiliza 53 casos de feminicídio este ano.
Quem já viveu essa realidade de perto é Maria (nome fictício), de 38 anos, da cidade de Descanso, que conviveu em um relacionamento por 15 anos, cinco deles sofrendo violência doméstica. Conforme ela, o companheiro sempre deu sinais de que poderia se tornar um agressor. “Fomos casados por 15 anos e desde o início ele dava sinais de que poderia se tornar alguém que teria tais atitudes, foi um casamento regado a desrespeito e traição, ele podia tudo e eu nada, era do trabalho para casa. Ele tinha um sentimento de posse, e também sabia que eu tinha uma certa dependência emocional dele tendo em consideração toda a nossa história. No início foi um casamento bom, tranquilo, saí do meu seio familiar para construirmos nossa vida juntos, passamos faculdade juntos, construímos nosso lar e nasceu nosso filho. Logo nos primeiros meses após o nascimento do bebê começaram a surgir algumas situações mais difíceis, brigas, desentendimentos, ofensas. Quando eu pedi o divórcio isso piorou, começaram as ameaças, ele foi morar em outra cidade e nem assim eu permanecia em paz”, ressalta.
Maria viveu de perto o medo de ser morta pelo seu próprio parceiro, pai do seu filho. “Algumas marcas permanecem com a gente pelo resto da vida, eu sempre digo que um tapa dói, uma agressão física machuca, mas a palavra dita não tem volta, as vezes isso dói muito mais, ouvir coisas e assumir culpas que não são nossas. Eu vivia com medo, tudo me assustava, fiquei muito tempo sem utilizar celular porque a maioria das ameaças vinham por ligação ou mensagem, quando o telefone tocava eu entrava em desespero, meu coração disparava, eu tremia, porque eu não sabia o que viria ali. Ele foi bem claro comigo, lembro das palavras ‘Eu não estou te ameaçando, eu estou te PROMETENDO, eu vou te matar! Eu já perdi tudo o que eu tinha mesmo!’, foram cinco anos até tudo isso cessar”, revela.
De acordo com Maria, o primeiro pedido de medida protetiva foi negado pela justiça. “Me encorajei e denunciei, nesse momento eu decidi que iria até o final. Eu já tinha saído de casa várias vezes com meu filho no colo para me proteger e proteger ele, eu sempre pensei muito no meu filho, pensei que meu ex-companheiro poderia fazer algo com ele para me atingir ou comigo para atingir meu filho. Pedi a medida protetiva, porque eu não me sentia segura nem na minha própria casa, e para a minha surpresa: negada pela justiça. O argumento foi que ele não havia me ameaçado ou me agredido, não havia registros. Com esse pedido as ofensas e ameaças se intensificaram, até conseguir a medida protetiva, isso foi um alívio, de certa forma. Quando ele saiu de casa por questões de trabalho em outra cidade eu ainda permitia que ele visitasse meu filho, afinal eu cresci sem pai e não queria que meu filho passasse por isso, mas não tínhamos nenhum tipo de relação, éramos pai e mãe do nosso bebê, em um determinado momento das visitas, veio a proposta para mudarmos para a cidade onde ele estava e começarmos de novo, esquecer o passado, viver uma nova vida e eu recusei, disse que estava convicta de que não queria aquilo para mim novamente. Ele não entendeu e não aceitou essa decisão, me perturbava ainda mais depois que neguei essa reconciliação e inclusive me expôs publicamente, hackeou meu telefone, isso me afetou muito na vida social, no trabalho, na vida do meu filho. No início foi bem difícil, eu tentava me explicar para as pessoas a todo momento, depois que eu entendi que eu não precisava me explicar para ninguém, eu fui entendendo a situação e digerindo, aceitando da melhor maneira possível, mas passei por muitos percalços, eu tive que procurar a polícia várias vezes, tive que sair de casa com meu filho no colo. Para mim, eu tinha que me proteger porque eu tinha um filho para criar, eu pensava muito mais nele. Mas o pontapé inicial para pedir a medida protetiva foram as ameaças e ofensas verbais”, lembra.
A mensagem de superação de toda essa situação, para Maria, é consciência. “Eu considero que superei, que sou uma mulher livre desse peso, mesmo após tantos anos sofrendo ofensas, abuso psicológico, sendo obrigada a assumir culpas que eu não tinha, sofrendo ameaças de morte e muitas situações que ninguém imagina. Eu superei e consigo ser feliz hoje, criar meu filho bem e tranquilamente. Muitas mulheres que sabem da minha história me procuram, pedem conselhos, uma orientação e eu sempre falo para as pessoas procurarem a justiça, denunciem, não fiquem nesse sofrimento por anos, mas peço que procurem com consciência, com o objetivo de que aquilo vá melhorar a sua vida, não para afetar ou prejudicar o outro. Algumas situações não precisam ser resolvidas na frente de um promotor ou de um juiz, levar mentiras ou abusar da lei para tirar vantagem é injusto com quem passa por tudo isso de verdade, com quem tem as marcas dessa situação. Então sim, denuncie, peça ajuda, mas faça isso com consciência, verdade e comprometimento. A denúncia deve ser vista como a liberdade, não como a punição do outro”, finaliza.
CRIME PRESENTA NA REGIÃO
O crime de violência contra a mulher é muito presente em nossa região, quem atesta isso é o delegado de Polícia Civil, João Luiz Miotto. Conforme ele, em 2019 já foram desferidas mais de 200 medidas protetivas. “Aqui na DPCAMI de São Miguel do Oeste, que atende vítimas de violência contra a criança, adolescente, mulher e idoso, tivemos 660 registros de boletins de ocorrência envolvendo violência contra a mulher, mais de 180 inquéritos policiais instaurados, mais de 200 medidas protetivas de urgência solicitadas. Além disso, todos os registros de crimes são investigados, aqui na DPCAMI chegam mais denúncias de ameaças, lesões corporais e injúria. No caso da lesão corporal, em especial, é obrigatório que a gente instaure o processo de investigação e efetue a punição do autor, em outros casos é necessário que a vítima dê seguimento ao processo, mas todos os casos são investigados”, destaca o delegado.
De acordo com Miotto, existem diversos tipos de violência e um ciclo que liga as fases da violência. “Existe violência física, verbal, psicológica, patrimonial, sexual e moral, são inúmeras. É interessante falarmos sobre o ciclo da violência, que tem três fases, a primeira é o aumento da tensão, onde começam os comportamentos mais violentos, os sinais mais específicos, em seguida acontece a fase da violência em si, seja qual for a forma de violência, e a terceira fase, a lua de mel, onde o agressor se arrepende, faz promessas de mudança, tem atitudes do início do relacionamento, da conquista e a mulher retorna para o relacionamento. Esse ciclo se repete diversas vezes até a mulher denunciar, a mulher precisa ter consciência de que quando perceber um ciclo partindo para o outro é necessário buscar ajuda e efetuar a denúncia para que ela não se torne uma vítima. A violência está presente em todos os lares, não apenas onde os índices de escolaridade são baixos ou há dependência financeira e emocional, a violência acontece com qualquer pessoa e é importante a mulher ter consciência de denunciar, saber que ela não está sozinha. Aqui no município são realizados trabalhos de apoio social e psicológico com a vítima e com o agressor, para mudarmos essa cultura machista que existe em todo o país e muitas vezes são negligenciadas”, argumenta João.
Operação MARIAS
A Polícia Civil realizou nesta semana a Operação Marias em Santa Catarina, onde 25 pessoas foram presas por cometerem crimes de violência contra a mulher. A mobilização visa frear os índices de violência doméstica no Estado, em especial o feminicídio, através de ações que extraiam dos agressores qualquer sentimento de impunidade. Foram mobilizados mais de 350 policiais civis em todas as 30 Delegacias Regionais para cumprir 81 mandados de prisão de suspeitos de violência doméstica, 23 mandados de busca e apreensão e 1.211 fiscalizações de medidas protetivas.
O nome “MARIAS” faz referência à Maria da Penha Maia Fernandes, vítima emblemática de violência doméstica, referencial na luta em defesa dos direitos das mulheres e cujo nome é emprestado à lei “Maria da Penha”, uma ferramenta fundamental no combate à violência doméstica de familiar.
Lei Maria da Penha
Este ano, a Lei Maria da Penha celebra 13 anos de existência. Criada com o objetivo de cessar os casos de violência contra a mulher e punir os agressores, a lei atua do lado das mulheres que se encorajam de efetuar a denúncia e mostra os numerosos casos de violência que ocorrem no âmbito doméstico, familiar e em relações íntimas de afeto, que são os locais ou tipos de relação que concentram o maior número de feminicídios e outros tipos de violência contra a população feminina no Brasil. A lei foi baseada na história e idealizada por Maria da Penha, uma mulher que sobreviveu a diversas agressões e tentativas de homicídio do companheiro.
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